terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Sinais de Fogo, a sequela

O nosso Ricardo já se debruçou um pouco sobre os momentos mais quentes da entrevista e estou, no geral, de acordo com o que disse, pelo que faço minhas as palavras dele e avanço para uma questão concreta. Inaugure-se um tag novo e falemos de economia.

Tal como já foi aqui sublinhado, Sócrates mostrou estar à vontade com os números e soube responder com clareza e convicção às perguntas de um Sousa Tavares a quem faltou alguma bagagem neste dossier. Sobretudo, o nosso primeiro-ministro conseguiu deixar no ar a nota de serenidade e confiança de que o país necessita. Numa altura em que estamos sob o apertado escrutínio da Europa e do mundo, é importante ter um chefe de governo que saiba desdramatizar e inverter o sentimento de pânico que se tem gerado em torno das nossas contas públicas e que pode assustar o tecido empresarial até um ponto em que não haja investimento, criação de riqueza e dinamização do mercado laboral. Ponto para Sócrates.

Para além disso, é preciso agradar também às agências internacionais de ratings, cujos comentários incendiários sobre a situação económica de Portugal levaram ainda há duas semanas (se a noção de calendário não me falha) a que o custo de assegurar a dívida soberana portuguesa fosse equiparado ao do Cazaquistão! Como se isto tivesse algum fundo de justiça. Os mercados ficaram com mais medo de comprar as obrigações do Tesouro português e isso faz com que tenhamos mais dificuldades em refinanciar e lidar com a dívida pública. Aquilo de que não precisamos mesmo é que os mercados comecem a desconfiar de nós, tal como está a acontecer neste momento com a Grécia, e nos obriguem a pagar juros mais elevados em cada emissão de dívida.

Trocando por miúdos, é como se fôssemos ao banco pedir um empréstimo mas as nossas finanças familiares fossem algo duvidosas. O banco empresta na mesma, mas cobra um juro altíssimo devido ao risco de incumprimento das prestações, o que nos dificulta ainda mais o orçamento lá de casa. É um daqueles casos em que não basta termos capacidade de lidar com as nossas finanças, mas é preciso convencer também os outros disso. Como acontece com a mulher de César: não basta ser, é preciso parecer. Também aqui, Sócrates teve a postura correcta.

E, realmente, olhando friamente para os números, não mentiu. Os principais indicadores em causa - défice orçamental e dívida pública - estão em linha com os dados dos demais países da OCDE e da Zona Euro. O lamaçal de que se fala está um pouco por todo o lado e a enxurrada ainda não chegou verdadeiramente à economia real.

Se para as empresas o abrandamento do consumo foi desastroso, a verdade é que para quem conseguiu manter o emprego as coisas até melhoraram: os juros dos empréstimos desceram, a inflação dos preços ao consumidor travou a fundo, os incentivos ao consumo permitiram-nos comprar casas e carros mais baratos… Medo tenho eu de quando começarmos a crescer e já não houver necessidade de manter os estímulos à economia. Aí, sim, preparem-se para ver o que custa equilibrar as contas públicas.

Mas adiante. Também nesta entrevista ficou patente que Sócrates é um homem que pensa mais além. É preciso travar o défice e reduzir a dívida, é certo, mas há diferentes formas de o fazer. O famigerado TGV, que tanta fervura tem levantado, é uma forma, quanto a mim inteligente, de criar emprego e riqueza, ao mesmo tempo que se fortalece o país na luta contra o nosso estado periférico em relação à Europa. Para um país que retira boa parte do seu crescimento das exportações, isto é essencial. E quem diz TGV diz aeroportos, portos, estradas e demais infra-estruturas que nos coloquem um pouco mais perto dos nossos parceiros económicos.

Bem me lembro de ser pequena e ouvir os graúdos constantemente queixar-se de que Cavaco só sabia fazer estradas e auto-estradas. No entanto, são essas estradas que hoje permitem que uma encomenda saia do Porto de Lisboa e chegue rapidamente ao Algarve ou a outro qualquer extremo do país. Sem vias à altura, tenho a impressão de que Portugal ainda continuaria a parecer-se com uma versão envergonhada da Aldeia da Roupa Branca.

Outro dos cavalos de batalha de Sócrates é a modernização das nossas fontes energéticas, que é como quem diz, as energias renováveis. O nosso Portugal à beira mar plantado tem vento, tem rios e tem marés, mas continua a aproveitar muito pouco disto e a fazer-se refém do petróleo. Se não começarmos a aproveitar os recursos hoje, amanhã vamos chegar à conclusão de que nos atrasámos e ainda acabamos a comprar energia aos espanhóis enquanto deixamos que a brisa (e não falo da concessionária de auto-estradas) nos passe ao lado.

Ora, a isto se chama investimento público. E em tudo isto se gasta dinheiro cujos frutos podem não ser integralmente colhidos a curto prazo. Mas a longo prazo, seremos mais modernos e mais fortes para competir num espaço que é cada vez menos o do nosso quintal.

Por tudo isto, ratifico a avaliação do Ricardo de que temos homem com fôlego para a legislatura completa e acrescento que esta entrevista me deixou um bocadinho mais confiante de que não terei de ir à procura do cartão de eleitor tão cedo.

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