quarta-feira, 31 de março de 2010



No mais recente passo de aproximação à União Europeia, de cujos subsídios precisa desesperadamente para relançar a economia, a Sérvia apresentou publicamente desculpas pelos acontecimentos de Srebrenica, em Julho de 1995.
Poucos meses antes da assinatura dos acordos de Dayton, que puseram fim à guerra fratricida de 1991-1995, o enclave entraria nos anais da História pela execução de milhares de bósnios muçulmanos, naquele que foi considerado o maior massacre desde a Segunda Guerra Mundial.


Este é um passo que envergonha a Sérvia e que colhe pouco consenso, tanto no seio do Parlamento como nas ruas. Vastos números de cidadãos sérvios ainda hoje negam responsabilidade sobre Srebrenica, sobre Bihac e sobre tantos outros episódios infelizes da região. Mas, para além disso, há quem ache que as desculpas não devem vir só de um lado. Como advoga um grande amigo sérvio - e com a minha total concordância - “podem ter sido os sérvios a abrir as hostilidades, mas não estiveram sozinhos nelas e não foram os únicos a errar”.

Depois desta declaração pública de culpa, seria positivo ver também um mea culpa dos restantes envolvidos no conflito.

No caso particular de Srebrenica, gostava de ver nem que fosse um pequenino das Nações Unidas. A UNPROFOR, a força responsável pela administração da área segura de Srebrenica, falhou rotundamente na sua missão e permitiu que mais de 8.000 jovens bósnios fossem literalmente chacinados quando o enclave caiu sob domínio sérvio. Enquanto isso, os capacetes azuis recuavam para Tuzla, sem terem sequer tentado defender o território que supostamente guardavam - disparar tiros de aviso e foguetes de sinalização não conta. Para os homens e rapazes de Srebrenica, com idades entre os 15 e os 60 anos, de nada serviu a presença dos holandeses que, sob os auspícios das Nações Unidas, defendiam a zona (supostamente) desmilitarizada.

Quanto ao conflito em geral, é preciso não esquecer que, para além de Ratko Mladic, houve também um Ante Gotovina, croata e também ele indiciado por crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional. A 5 de Agosto de 1995, uma data que a Croácia consagra como feriado nacional, foi a vez de as forças croatas ganharem o controlo da região de maioria sérvia da Krajina. Repetiram-se as perseguições, as execuções, os incêndios e demais actos que nos envergonham a todos e que merecem também um sentido pedido de desculpas.

Resumindo e baralhando, ao contrário do que é opinião geral, os sérvios não são os únicos culpados deste conflito e não são os únicos que devem ser pressionados a reconhecer os seus erros.

Quando terminei a licenciatura, pensei fazer uma investigação sobre a forma como os media desenham verdadeiras personagens, de contornos firmes e definidos, usando a diabolização dos sérvios como case study. Mas disseram-me que estava mais para tese de mestrado do que para de licenciatura. Talvez um dia decida fazer um mestrado…

Notícia no Público

Nota da redacção: falar sobre os Balcãs e não transformar o texto numa tese de mestrado... isso, sim, foi um parto complicado. :)
Saudades de Sarajevo

2 exclamadores:

Ricardo disse...

Neste conflito, como em todos, quem vence conta a história à sua maneira.

Neste conflito, como em todos, são sempre necessárias, no mínimo, duas partes a errar...

Carlita disse...

Evidentemente. Tenho é pena que a maior parte dos jornalistas se tenha deixado ir no lugar-comum e que estes sejam os principais responsáveis pela criação da dicotomia bom-mau. É aquela coisa do poder dos media de que a Andreia falava há bem pouco tempo. Os poucos repórteres que se deram ao trabalho de ir ao outro lado, como o Carlos Santos Pereira, foram considerados pró-sérvios. E eu ainda hoje encontro quem me olhe de lado quando digo que tenho um grande amigo que é sérvio e que adoro Belgrado.

Lembra-me de te falar da minha tese de licenciatura, que envolvia as eleições do PS (Alegre, Sócrates, Soares) e falava desta coisa da personagem jornalística.

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